Ei, moça... você pode me ouvir?

Moça, moça.. por favor, me ouça só por um minuto!
Lá fora estão gritando palavras de ordem e alguns gritam por justiça, ninguém me ouve, ninguém me deixa falar. Eu não quero pedir nada, eu não quero pedir para que me livrem, eu só quero que me ouçam. Então, será que você pode me ouvir?

Sabe moça, estão pedindo minha alma. É isso mesmo que a senhora ouviu, desejaram minha morte. Eu até entendo cada um deles. entendo porque eu posso ouvi-los e eu? Por que ninguém é capaz de me ouvir?

Eu não queria ter feito o que fiz, sei que arrependimento não muda o que já foi feito, mas ninguém nunca me ajudou ou evitou que eu chegasse até aqui. Estavam preocupados em punir as ações dos meus amigos ou invés de me tirar daqui. Sim, meus amigos. Muita gente dizia que eles não eram boas companhias, mas quem são boas companhias, moça? Ninguém nunca quis me fazer companhia, a não ser quando eu tinha algo para oferecer e então, o que eu tinha acabou e eu precisava de mais.

Me disseram que estar onde eu estou hoje é culpa dos meus pais. Pais? Moça, eu nem ao menos sei o que é isso. Meu pai quase nunca me via, estava sempre no trabalho ou bêbado. Minha mãe? Ah como eu queria por um dia ter recebido um abraço pra sentir o amor dela por mim. Mas não, ela trocava os abraços por tapas, chutes e nunca estava em casa. Eu também não a culpo, minha vó a expulsou de casa quando ela engravidou de mim. Minha mãe não gosta muito de mim, mas a culpa não é dela, nunca a ouviram também.

Moça, eu tentei estudar... mas se continuasse na escola como compraria algo para comer? Comecei a roubar, era fácil, roubava pouco, era só para me alimentar. Mas moça, quem é que gosta de viver na miséria? Eu queria ter um pouco mais, assim como a galera do bairro tinham os melhores tênis e celulares. Eu queria ser respeitado, não queria ser conhecido como o filho da prostituta e do bêbado. Segui pelo caminho em que eles seguiram e consegui o que eu queria, fiquei feliz, eu confesso.

Agora cheguei longe demais, matei alguém, mas não era o plano, não era o que eu desejava. Lá fora continuam gritando. Eu não quero que me livrem pela minha triste história de vida.
Eu quero que ouçam, para que ouçam os próximos e ninguém nunca chegue onde eu cheguei.

Não pense que eu tentei falar apenas agora. Eu tentei falar para professora, para tia da cozinha, tentei falar até para a vizinha. Tentei falar, tentei falar muitas vezes. Mas as pessoas insistem em fazer o que estão fazendo lá fora agora, me punir, me julgar mas nunca moça, nunca me disseram como eu poderia ser diferente, só me diziam que eu tinha que ser.

Está ouvindo, moça? Lá fora eles gritam que bandido bom é bandido morto. Nem se quer me chamam pelo nome, sempre foi "marginal", "neguinho", "bandidinho". Eu preciso ir agora, acho que a polícia chegou, talvez eu apanhe um pouco, mas quando eu chegar na Fundação Casa, talvez lá dentro encontre pessoas que me digam como eu posso ser diferente.

Obrigada por me ouvir moça, mas ainda não tape os ouvidos. Tem vários gritando em silêncio, precisando ser ouvidos. Alguns nem entraram nessa vida ainda, mas estão prestes a cair na tentação. Porque quando alguém de bem tapa os ouvidos, moça. A rua além de ouvir, estende a mão.

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